Darcy Ribeiro e 'O Povo
Brasileiro': obra ainda é chave para entender a formação étnica e cultural do
Brasil
O
Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. Essa diversidade é resultado
da contribuição de vários povos na formação da nossa identidade, como os
índios, os primeiros colonizadores (os portugueses) e imigrantes (franceses,
holandeses, italianos, japoneses, alemães entre outros), e os negros vindos da
África.
O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) é autor de uma das
obras importantes para se compreender a formação étnica e cultural do povo
brasileiro, o ensaio histórico-antropológico O Povo Brasileiro – A formação
e o sentido do Brasil, editado em 1995 e que completa 20 anos em 2015.
Na
obra, Ribeiro quis responder à pergunta “por que o Brasil não deu certo?” e
debruçou-se sobre a formação do povo brasileiro. No estudo, ele defendeu a
miscigenação como fator preponderante da diversidade que caracteriza o Brasil.
Essa fusão biológica e cultural teria se iniciado logo que os primeiros
portugueses desembarcaram na América, e a gestação étnica do brasileiro se
prolongou por todo o período colonial (1530 – 1815).
O
que define um povo não é a demarcação territorial, mas sim um conjunto de características
que faz dele um grupo identidário, diferenciando-o de outros grupos. As três
matrizes étnicas que seriam as formadoras da identidade do povo brasileiro são
o colonizador branco, no caso os portugueses, os índios e os negros africanos.
Darcy usa a expressão “Nova Roma” para classificar o que seria o Brasil neste
processo de formação do povo brasileiro através da desconstrução dessas três
matrizes.
A mestiçagem no Brasil teria ocorrido de diferentes
formas. Uma delas seria o cunhadismo. Essa antiga prática indígena, para
incorporar estranhos à sua comunidade, consistia em lhes dar uma moça índia
como mulher. Assim, estabeleciam-se laços que o aparentavam a todos os membros
do grupo. Isso se alcançava graças ao sistema de parentesco classificatório dos
índios, que relaciona, uns com os outros, todos os membros de um povo.
Ribeiro valorizava muito a cultura indígena e o
papel do mameluco (mestiço de índio) na nossa formação étnica. A miscigenação
através do cunhadismo teve em São Paulo o seu primeiro centro de
desenvolvimento. Nessa região, onde a captura de índios para servirem de
escravos tornou-se a principal atividade econômica, surgiram os brasilíndios
ou mamelucos, um povo que não era índio e nem português, mas falava tupi e nheengatu
e foram fundamentais, para Ribeiro, na formação étnica do brasileiro e na
ocupação e expansão territorial do país. Dos brasilíndios paulistas é
que saíram os bandeirantes.
No
entanto, a formação do povo brasileiro foi fruto de um processo violento. Com
relação aos africanos, arrancados de suas culturas e forçados a trabalhar como
escravos, ele acreditava que a rica diversidade linguística e cultural dos
povos africanos e a política de evitar concentrar escravos de uma mesma etnia
nas mesmas propriedades dificultaram a formação de núcleos de preservação do
patrimônio cultural africano.
Assim,
o africano que chegou ao Brasil teve sua identidade negada e marginalizada, ele
se tornou um ser sem identidade. Para o antropólogo, a contribuição da cultura
negra para a identidade brasileira estaria principalmente no plano ideológico,
na força física, nas crenças religiosas, na música e na gastronomia.
“Temos
aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia, sempre irredutível
por sua própria natureza, que amarga o destino do exilado, do desterrado,
forçado a sobreviver no que sabia ser uma comunidade de estranhos, estrangeiro
ele a ela, sozinho ele mesmo. A outra, do ser igualmente desgarrado, como cria
da terra, que não cabia, porém, nas entidades étnicas aqui constituídas,
repelido por elas como um estranho, vivendo à procura de sua identidade”,
escreve o antropólogo.
Com toda essa mistura de culturas e referências, o brasilíndio,
o mameluco e o afro-brasileiro perceberam-se em uma terra de ninguém – o termo
usado pelo autor é “ninguendade”--, gerando a necessidade de criarem uma
identidade, a brasileira.
Para
Ribeiro, o “surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e
acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das
identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela
indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros
com brancos), caboclos (brancos com índios) ou curibocas (negros com índios)”.
Na
obra, Ribeiro ainda apresenta outro traço particular da constituição do Brasil:
a presença de cinco grandes culturas que, embora distintas, seriam
complementares. São elas: o Brasil crioulo (que se estendia do litoral de São
Luís ao Rio de Janeiro e era muito influenciado pela África), o Brasil caboclo
(região Norte com a Amazônia e os índios), o Brasil sertanejo (Nordeste, seu
sertão, caatinga), o Brasil caipira (centro-oeste, sudeste, influência da
cidade de São Paulo na formação do país) e o Brasil sulino (mamelucos vivendo
em uma área muito rica e fértil, os pampas gaúchos, e com forte interferência
europeia).
A
mestiçagem, classes e a democracia racial
Ao
contrário de Gilberto Freyre (1900-1987), que acreditava
“que a miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social
que de outro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a senzala”,
Ribeiro não enxergava a mestiçagem ou essa mistura de diferentes Brasis em um
como sinônimo de “democracia racial”. Para Ribeiro, para existir a democracia
racial era preciso, antes, vivermos numa democracia social.
Ribeiro
destaca a estratificação de classes que marcou a história do Brasil, com uma
grande desigualdade entre as classes ricas e as pobres, a concentração de
riqueza na mão de poucos e a desumanização das relações de trabalho.
Considerada
uma obra importante para entender a formação do povo brasileiro, o livro
recebeu críticas na academia. Para uns, Darcy havia romantizado demais a
questão e, além disso, havia usado referências sobre escravidão e mestiçagem
anteriores à década de 1980, deixando muitos textos e referências mais atuais
para a época de lado.
A
obra, para Ribeiro, tinha o objetivo de entender o porquê o Brasil não deu
certo, tendo a oportunidade de ser um país criado de acordo com a vontade de
seu povo miscigenado. Afinal, uma identidade não definida permite que um
país se invente. Mas que país nós fomos capazes de inventar?
Certa
vez, discutindo sobre o povo da América Hispânica, o líder político venezuelano
Simon Bolívar (1783-1830) foi questionado sobre quem era, afinal, esse povo, ao
que respondeu: "é o que se tem, o que mora nesta terra, portanto, a base
demográfica de um território (...) é com este que temos que contar, é com este
que temos que trabalhar".
Para
alguns estudiosos e historiadores que analisam o livro de Ribeiro, uma das
questões importante para entender porque o Brasil não deu certo é o fato de o
brasileiro não se orgulhar totalmente de ser brasileiro. Sendo assim, a
assimilação da nossa identidade ocorreu de modo a continuar dividindo a
sociedade em superiores e inferiores de acordo com a raça, a manter a visão
exploradora do trabalho, que Ribeiro coloca como trazida pelos colonizadores e
que se chocou com o modo de vida dos índios, entre outros. Talvez a questão não
seja mais qual país podemos inventar, mas sim, como reinventá-lo.
O
Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. Essa diversidade é resultado
da contribuição de vários povos na formação da nossa identidade, como os
índios, os primeiros colonizadores (os portugueses) e imigrantes (franceses,
holandeses, italianos, japoneses, alemães entre outros), e os negros vindos da
África.
O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) é autor de
uma das obras importantes para se compreender a formação étnica e cultural do
povo brasileiro, o ensaio histórico-antropológico O Povo Brasileiro – A
formação e o sentido do Brasil, editado em 1995 e que completa 20 anos em
2015.
Na
obra, Ribeiro quis responder à pergunta “por que o Brasil não deu certo?” e
debruçou-se sobre a formação do povo brasileiro. No estudo, ele defendeu a
miscigenação como fator preponderante da diversidade que caracteriza o Brasil.
Essa fusão biológica e cultural teria se iniciado logo que os primeiros
portugueses desembarcaram na América, e a gestação étnica do brasileiro se
prolongou por todo o período colonial (1530 – 1815).
Andréia
Martins
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