Luiza Sahd 17/10/2017
Nada como revirar caixas de fotos antigas para descobrir
como somos mau caráteres. Durante minha última mudança de casa, achei um
retrato de escola em que um excelente professor nosso abraçava a turma
orgulhosamente na festa de fim de ano. O que tinha de mais simbólico:
desenhamos uma peruca ridícula na careca dele com caneta Bic… e lá se foi um
bonito registro desta bonita etapa da vida. Ri e chorei, tudo junto. Fechei a
caixa chorrindo.
As efemérides online são sempre mais bonitinhas do que na
vida real. A gente ama um textão emocionado sobre a importância do Natal, do
Dia das Mães, uma comoção coletiva, enfim. (Bom, eu adoro. Não sei você.)
No último domingo, o Dia do Professor foi temática para
mensagens contundentes sobre a profissão mais importante do mundo, essa aí que
não deveria, mas acaba sendo um sacerdócio: a de mestre.
Como aluna capeta que fui, achei bem feito eu ter virado
professora aos vinte e poucos anos. Não estava muito nos meus planos, mas me
fez criar a convicção de que a situação dos professores só teria chances de
melhorar caso todos os cidadãos fossem obrigados a cuidar de uma sala de aula em
algum momento na vida. Se eu fosse política, faria esse projeto de lei.
É tão bonito passar de algoz a presa, rapaz! Nunca vou
esquecer de quando fiquei responsável por uma classe com alunos entre 10 e 12
anos. Muito bom, adoro adolescentes. Eles também me adoravam, acho: pediam para
continuar comigo no semestre seguinte, no outro e no outro. Mas nem todos os
dias foram marcados por essa vibe Sociedade dos Poetas Mortos.
Obviamente, chegou o momento em que me aconteceu o
inevitável como professora. Um grupinho de estudantes começa a cochichar e
rir muito enquanto te olha fixamente. Você lá, falando de verbos irregulares.
Dois alunos, logo três. Mais risadas. Três, logo quatro. Pedi calma e foco aos
meninos educadamente. Preciso dizer que não funcionou?
Dilema: no momento em que topei dar aulas e antes mesmo de
entrar na primeira delas, jurei para mim mesma que jamais seria opressora. Não
acredito muito em hierarquias e menos ainda como método para ensinar alguma
coisa, mas quem disse que eu sou esperta? O resultado disso foi travar o
Nintendo no tablado lá, sem saber se o melhor seria continuar a explicação ou
sair correndo para checar se tinha alface no dente, meleca no nariz, peito
saindo do sutiã, remela no olho, aranha no cabelo. Cara, eu tinha uns 24 anos,
dois piercings no nariz, era malandra pra caramba e estava sofrendo bullyin g
de gente com metade da minha idade.
Isso não aconteceu uma nem duas vezes e certamente é o menor
dos problemas que professores enfrentam em sala de aula. Mas é tão simbólico,
como disse este amigo aqui:
Tem professor que não tem nem segurança garantida para dar
aula, não tem material, não tem sala, mas tá lá. E quem respeita professor?
A comunidade é que não. Poucas escolas pagam o tempo que eles gastam
em casa preparando aulas ou corrigindo pilhas de provas (umas várias recheadas
de gracinhas), poucos pais tratam os docentes como algo mais do que
funcionários responsáveis por dar a educação que os alunos deveriam ter
recebido em casa, tudo isso aí que a gente já tá careca de saber — a menos que
pintem uma peruca com Bic em nossas cabeças.
Antes tarde do que mais tarde ainda, eu gostaria de
parabenizar a todos que, ao contrário de mim, não desistiram. Mais do que não
desistir da profissão, o professor é um cara que não desiste das pessoas. E se
tem uma coisa que beira o impossível e o inacreditável ultimamente é isso. Meus
parabéns a todos, todos os dias. No próximo 15 de outubro a gente compensa a
zoeira com um textão, um chocolate ou uma maçã.
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